O BRASIL NA NOVA ORDEM MUNDIAL: EXPORTAÇÃO, DESAFIOS E OPORTUNIDADE APÓS O “LIBERTY DAY”

*matéria escrita por Cláudio Gonçalves dos Santos e Sergio Volk

1. Introdução

A retomada do discurso protecionista nos Estados Unidos, agora sob a marca do Liberty Day, deve ser compreendida no contexto da crescente fragmentação das cadeias globais de valor e da rivalidade sistêmica entre potências. Para países em desenvolvimento, como o Brasil, esse novo cenário representa uma combinação de riscos e oportunidades, exigindo respostas estratégicas baseadas em inteligência comercial, diversificação de mercados e aumento da complexidade econômica.

2. Estrutura do Comércio Exterior Brasileiro em 2023

Em 2023, o Brasil exportou US$ 373,0 bilhões e importou US$ 323,0 bilhões, gerando um superávit comercial de US$ 50,0 bilhões. A pauta manteve-se concentrada em commodities agrícolas, minerais e energéticas. Os cinco principais produtos exportados foram: soja, petróleo bruto, minério de ferro, carne bovina e celulose. Por outro lado, as importações que totalizaram US$ 323,0 bilhões, destacaram-se máquinas, insumos industriais e veículos — em especial da China e dos Estados Unidos.

Principais Destinos das Exportações (2023)Participação (%)
China26,63%
Estados Unidos8,81%
Argentina4,57%
Chile, México, Países Baixo, Alemanha, Espanha, Japão, outros0,5 – 2,50%
Principais Países de Origem das Importações (2023)Participação (%)
China17,53%
Estados Unidos13,44%
Alemanha4,24%
Argentina3,83%
Rússia2,76%
Chile, México, Países Baixo, Espanha, Japão, Índia, outros0,5 – 1,80%

3. Setores com Vantagem Comparativa

Com base no desempenho exportador e na estrutura produtiva nacional, os seguintes setores se destacam por sua vantagem comparativa:

SetorExemplos de ProdutosFatores de Competitividade
AgropecuáriaSoja, milho, carnes, açúcar, caféEficiência tropical, escala, tecnologia
Mineração e metalurgiaMinério de ferro, ouro, ferro-gusaGrandes reservas, logística portuária
Energia e biocombustíveisPetróleo bruto, etanolPré-sal, matriz energética limpa
Florestal e celuloseCelulose branqueada, madeira serradaManejo sustentável, ciclo rápido
AgroindústriaFarelo de soja, sucos, óleos vegetaisCadeias integradas, acesso a mercados

4. Matriz BCG das Exportações Brasileiras

A seguir, apresenta-se uma matriz BCG adaptada à pauta exportadora, considerando participação no total exportado e taxa de crescimento da demanda global (2020–2023):

QuadranteProdutos-ChaveEstratégia
EstrelasSoja, petróleo, minério de ferro, carne bovina, celuloseConsolidar liderança com inovação e ESG
Vacas leiteirasAçúcar, frango, café, suco de laranja, milhoManutenção de participação e diferenciação
InterrogaçõesEtanol, alimentos processados, móveis, cosméticosIncentivo à agregação de valor e inserção em nichos globais
AbacaxisCalçados tradicionais, tecidos simples, tabacoAvaliar reposicionamento ou descontinuidade

5. Análise SWOT do Comércio Exterior Brasileiro

OportunidadesAmeaças
Redesenho das cadeias globais (nearshoring)Crescente competição asiática
Valorização de produtos sustentáveis e verdesBarreiras não tarifárias e regulamentações ESG
Acordos bilaterais e regionaisRiscos climáticos e cambiais

6. Considerações Finais

O cenário internacional contemporâneo evidencia um deslocamento geoeconômico em curso, com implicações significativas para a inserção do Brasil em cadeias produtivas mais curtas e regionalizadas, especialmente no contexto latino-americano. Para que o país converta suas vantagens comparativas em vantagens competitivas duradouras, torna-se imprescindível a formulação de uma estratégia nacional voltada à agregação de valor, ao fortalecimento da política industrial orientada à exportação e à celebração de acordos comerciais pautados por racionalidade estratégica, em substituição a posturas meramente defensivas ou protecionistas.

A recente inflexão da política comercial norte-americana, simbolizada pelo denominado “Liberty Day”, sinaliza não apenas um recrudescimento do protecionismo, mas também o enfraquecimento do arcabouço liberal que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, estruturou a ordem econômica internacional. O Liberty Day representa uma ruptura com a ordem econômica mundial e o sistema multilateral de comércio iniciado com os acordos de Bretton Woods (1944), cujas forças dominantes são a globalização, o liberalismo, a redução do papel do estado e o livre comércio. Tal modelo, contudo, revela claros sinais de esgotamento diante dos desafios contemporâneos relacionados à segurança das cadeias produtivas, à concentração tecnológica, à instabilidade geopolítica e à redefinição dos interesses estratégicos das grandes potências.

Nesse novo contexto, observa-se a emergência de uma ordem internacional menos orientada por princípios de eficiência econômica e mais condicionada por imperativos de soberania, segurança nacional e poder. A interdependência global, outrora vista como vetor de estabilidade e prosperidade, passa a ser reinterpretada como fator de vulnerabilidade e risco. Diante disso, a formulação de uma estratégia brasileira de inserção internacional requer um reposicionamento conceitual: não se trata apenas de ampliar mercados ou elevar o volume exportado, mas de redefinir prioridades nacionais à luz de uma conjuntura que valoriza capacidades internas, autonomia decisória e resiliência sistêmica.

Assim, soberania, competitividade e diplomacia econômica devem ser concebidas como dimensões indissociáveis de um mesmo projeto nacional de desenvolvimento, apto a responder aos novos contornos da nova ordem global em formação. O Brasil dispõe de ativos relevantes — escala, diversidade produtiva, base industrial, recursos naturais e mercado interno —, mas precisará de visão estratégica e coordenação institucional para convertê-los em instrumentos de protagonismo internacional.

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Sobre os autores

*Cláudio Gonçalves dos Santos é economista, mestre em administração financeira e contabilidade, gestor de valores mobiliários com registro na CVM, sócio da Planning, professor em curso de pós-graduação na FECAP/SP e Diretor do IIE – Instituto de Inteligência Econômica.

Membro do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e da ABVCAP – Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital.

e-mail: claudio@planningconsult.com.br

www.planningconsult.com.br

www.inteligenciaeconomica.org

*Sérgio Volk é economista, mestre em finanças e contabilidade, cursou doutorado em economia pela EPGE-FGV/RJ, especialista em gestão e avaliação de empresas. Foi Diretor Financeiro nas empresas: Revestimento Cerâmico CECRISA, Portinari (atual Dexco), DaGranja Agroindustrial (atual Seara), dentre outras. Foi Diretor de Câmbio e Assuntos Internacionais do BANESTES, além de Conselheiro Fiscal da Electrolux do Brasil S.A., Inepar Energia S.A. e TECFIL – Sofape Fabricante de Filtros S.A. Foi Presidente do IBEF Espírito Santo, Paraná e Araraquara; Conselheiro Fiscal do IBEF/SP e membro do Conselheiro Consultivo da Cogni ESG; foi professor na FAAP – Centro Universitário Armando Alvares Penteado, é professor em cursos de pós-graduação na FEI, SP. e-mail:volk@gerindodinheiro.com.br

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Esse artigo saiu na Revista Brasileira de Comércio Exterior. veja aqui

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